Os primeiros 6 meses do blog

Foto dos primeiros testes do sensor de velocidade feito com Arduino que serviu de base para todos os experimentos nestes 6 meses de blog.

Para iniciar 2022, eu vou fazer um pequena retrospectiva. Em dezembro de 2021 este blog completou 6 meses de idade. Ser blogueiro apenas nos tempos livres e manter uma regularidade nos posts não é nada fácil. Mas tem sido uma experiência interessante tentar transportar a ciência dos livros-texto para experimentos que vão além de simples demonstrações, mas que produzam dados reais e que possam despertar o prazer da prática e do pensamento científico em casa, e com materiais relativamente fáceis de encontrar.

Preciso aprender muito mais sobre este tipo de comunicação, e ser mais regular nos posts e vídeos de demonstração. Ainda estou aprendendo sobre ferramentas como newsletter, Google Analytics, divulgação em redes sociais, edição de vídeos, e muitas outras cada vez mais presentes nas nossas vidas e certamente imprescindíveis para o futuro da educação. Mesmo com todas essas limitações considero o saldo positivo, pois entendi que há sim pessoas interessadas neste tipo de conteúdo, inclusive de outros países. Também preciso entender se quem visitou (e possivelmente ainda visita o blog) eram alunos, professores ou apenas curiosos, e aperfeiçoar a linguagem escrita e visual do blog.

Retrospectiva

Ao todo foram 11 posts (incluindo esse), e vários experimentos de mecânica clássica utilizando apenas um sensor de velocidade de baixo custo feito com Arduino. Os assuntos tratados até agora cobrem vários tópicos de um ano letivo quase inteiro de Física (cinemática e dinâmica) do ensino médio:

  • Medir velocidades de objetos com um sensor feito com Arduino. Usei uma NERF para testar, mas podia ser outra coisa.O sensor é rápido o suficiente para medir pequenos objetos com velocidades da ordem de 60 km/h!
  • Demonstração do alcance no lançamento oblíquo. Este é um problema de movimento em duas dimensões, que era um terror para muitos alunos no ensino médio.
  • Demonstração experimental da conservação de energia mecânica.
  • Explicar a física do loop, tão presente em esportes radicais e entretenimento.
  • Demonstração experimental da segunda lei de Newton. Além de demonstrar a famosa fórmula $F_R = m a$, este experimento específico tinha um “easter egg” escondido. Um observador mais atento conseguirá encontrar a famosa lei de Hooke das molas elásticas naquele experimento.
  • Medidas de força de atrito e coeficiente de atrito.

Baixo custo mesmo?

Ok, a minha ideia de baixo custo é relativa.

Todos experimentos foram feitos com a ajuda do sensor de velocidade do blog que custou cerca de R$ 70,00 (todos os componentes comprados aqui em Fortaleza-CE), sendo o principal custo da placa do Arduino. Mas esta placa pode ajudar a construir uma infinidade de outros experimentos educativos, interessantes e divertidos. O investimento certamente se paga no longo prazo.

Entendo perfeitamente que R$ 70,00 é muito dinheiro para muita gente. Mas infelizmente não existe almoço grátis, e o sub-desenvolvimento científico custa muito mais caro. Os países desenvolvidos investem continuamente em ciência e tecnologia pois suas economias estão cada vez mais dependentes do desenvolvimento e inovação tecnológica.

Tudo bem que usei como elementos motivadores brinquedos que muita gente não tem acesso. Mas era o eu tinha disponível: brinquedos velhos que meu filho não usa mais que, por razões afetivas, eu ainda guardo. Certamente, alguém pode adaptar as ideias descritas nos experimentos para sua própria realidade, e usar seus itens disponíveis.

Escassez de recursos como oportunidade de aprendizado

Adquirir equipamento profissional de laboratório de ensino para demonstrar todos os experimentos que estudamos nestes 6 meses custaria muitos milhares de reais às escolas privadas. E boa parte das escolas públicas brasileiras jamais terão recursos para laboratório de ensino.

Mas a escassez também oferece uma oportunidade de aprender como estes equipamento são pensados, desenvolvidos e construídos em cima dos conceitos teóricos abordados em sala de aula. Abordagens educacionais similares já são adotadas em muitas escolas mundo afora com um nome chique: metodologia STEM (sigla para Science, Technology, Engineering and Math). Estas habilidades são apontadas como essenciais para os empregos do futuro.

Não sei como funciona nas redes estadual e municipal, mas os professores de escolas públicas podem pressionar os gestores para adquirir alguns kits Arduino e desenvolver suas próprias ideias. Não é muito dinheiro para instituições públicas. Iniciativas como esta podem ajudar as escolas a desenvolver seus próprios laboratórios de ensino com seus estudantes, e utilizar a escassez de recursos como experiência educacional permanente que oferece muitas das competências necessárias para o futuro do emprego.

Acreditem! Mesmo eu sendo professor e pesquisador numa das principais universidades do país, passamos muita dificuldade para realizar nossas atividades de pesquisa. O que nos mantém ativos e contribuindo com o desenvolvimento científico é conhecimento fundamental que aprendemos nos livros e criatividade para driblar a falta de recursos. Afinal, este é o real conceito de inovação, fazer mais com menos.

Fico por aqui. Desejo a todos um Feliz 2022 cheio de saúde e conhecimento.

Um abraço 🙂

Qual é o coeficiente de atrito de carrinhos Hotwheels?

Motivado pelo post da Física do loop, no qual alguns dos carrinhos não foram capazes de completar o loop quando soltos da altura mínima, resolvi comparar o coeficiente de atrito de vários carrinhos Hotwheels repetindo o experimento do post anterior sobre a distância de frenagem.

De forma muito muito resumida, considere um veículo se movendo em uma estrada horizontal com velocidade $v$, e que aciona o freio bruscamente. Este carro irá percorrer uma distância $\Delta x$ antes de parar. Como já sabemos, $F_{at} = \mu N$ é valido para o movimento horizontal, e com a ajuda do teorema do trabalho e energia cinética, é possível determinar coeficiente de atrito. As fórmulas usadas estão mais a frente neste post.

O experimento é muito simples, e pode ser visto no vídeo abaixo. O carrinho é lançado por um lançador de elástico com três níveis de força. Os parâmetros medidos no experimento são apenas dois: (i) a velocidade $v$ do carro é medida pelo sensor de velocidade, e a a distância de parada $\Delta x$ medida em relação à posição do sensor de velocidade.

Vídeo 1: Experimentar para determinar o coeficiente de atrito de carrinhos Hotwheels.

Nós vamos medir o coeficiente de atrito de 10 carrinhos diferentes, mostrados na figura abaixo. Apenas um lançamento foi realizado para cada nível de força do lançador. Para melhorar a precisão dos resultados, seria necessário realizar a média de vários lançamentos (3 a 5 para cada nível de força já seria o suficiente).

Figura 1: Qual o coeficiente de atrito destes 10 carrinhos? Cada carrinho é identificado por um número.

Os dados medidos estão nas tabelas abaixo agrupados por nível de força. As duas primeiras colunas são a massa e o tamanho do carrinho. Em seguida, a distância $\Delta x$ percorrida em cada lançamento, o tempo $\Delta t$ e a velocidade $v$ de passagem pelo sensor, a força de atrito e o coeficiente de atrito com as expressões abaixo:

$$F_{at} = \frac{m v^2}{2 \Delta x},$$

$$\mu = \frac{v^2}{2 g \Delta x}$$,

onde assumimos $g = 9,81~m/s^2$.

Figura 2: (esquerda) Dados dos carros e das medidas feitas em cada lançamento, agrupados por nível de força. (direita) Histograma dos coeficientes de atrito medidos cada cada carro em cada nível de força.

O melhor modo de analisar os resultados é utilizando um tipo de gráfico chamado de histograma. No eixo x, estão as categorias (no nosso caso, cada carro), e o eixo y estão os dados medidos do coeficiente de atrito. Cada cor indica um nível de força.

O primeiro detalhe que chama atenção é que, na maioria dos casos, o coeficiente de atrito depende da força de lançamento de modo que quanto maior a força maior o valor de $\mu$. Mas note também que, na maioria dos casos, os valores de $\mu$ não aumentam muito em relação à força. Por exemplo, para o carro 1, $\mu$ varia de 0,0409 para 0,0488 entre F1 e F3. Note também que $\Delta x$ cresce de 2,215 m para 8,880 m. Ou seja, o carrinho viaja uma distância quase 4 vezes maior. Devido a distância maior, o carrinho também passa por muito mais junções e pista e está sujeito a bater nas laterais da pista quando lançado com F3 em comparação com F1. E estas junções e choques com as bordas certamente afetam a medida do coeficiente de atrito. De qualquer forma, considero as variações pequenas, e estou convencido de que o coeficiente de atrito do carrinho 1 é aproximadamente a média de F1 a F3. No caso do carrinho 1, algo em torno de 0,045.

Uma visão geral mostra que os coeficientes de atrito varia muito entre os modelos. De certa forma, isto explica porque nem todos os carrinhos conseguiram completar o loop quando soltos da mesma altura no post sobre a Física do loop. Se você já brincou ou observou crianças brincando com os carrinhos, certamente sabe que parte da diversão é descobrir quais carrinhos irão completar uma pista construída (veja este vídeo para um exemplo que as crianças adoram).

Com este experimento, tive algumas surpresas interessantes. Sempre usei o carrinho 7 em vários experimentos aqui no blog por achar que ele era mais veloz que o carrinho 1, mas me enganei redondamente. Mas minha maior surpresa foi descobrir que o carrinho 9, feito para levar uma câmera Go Pro Sessions (nem o carrinho e nem a câmera são mais fabricados), é o mais eficiente de todos. Seu coeficiente de atrito é de cerca de 0,025 quando o segundo melhor carrinho (o carro 1) tem praticamente O DOBRO do coeficiente de atrito. Imagino que isto seja feito de propósito, pois o carrinho precisa levar a câmera nas costas para executar percursos e fazer vídeos irados como este aqui.

Para concluir, lembro a vocês que atrito é um assunto que rende bastante material, e ainda estou devendo a conclusão da sequência de posts sobre atrito com um experimento provando que $F_{at}=\mu N$ em pistas inclinadas, e consequentemente, em qualquer situação.

Atrito e distância de frenagem com Hotwheels e Arduino

A força de atrito é tratada superficialmente nos livros e problemas de Física, e é praticamente inexistente nas aulas de laboratório. Mas, a menos que você esteja para vácuo do espaço, é praticamente impossível se livrar das forças de atrito.

Na minha época de estudante, a força de atrito me intrigava por uma simples razão. Por que a força de atrito é matematicamente definida como $F_{at} = \mu N$ ($\mu$ é o coeficiente de atrito, e $N$ é a força normal), se ela aponta na direção oposta ao movimento, mas a força $N$ é perpendicular ao movimento? Esta é a pergunta que motivou este post.

O objetivo deste post objetivo é desenvolver um experimento muito simples para estudar a força de atrito e distância de frenagem com Hotwheels, e provar que $F_{at} = \mu N$. Vamos também aprender a determinar o coeficiente de atrito dos carrinhos.

Um pouco de teoria

Imagine um veículo se movendo em uma estrada horizontal com velocidade $v$, e que aciona o freio bruscamente ao ver um obstáculo a uma certa distância a frente na estrada. Qual distância o carro vai percorrer até parar?

A Figura 1 mostra o diagrama deste problema. No ponto 1, o veículo está com velocidade $v$ e aciona o freio. Sem entrar nos detalhes mais complexos dos mecanismos de freio, durante o período de frenagem o carro está sujeito apenas às forças peso $\vec{P}$, a força normal $\vec{N}$ e a força de atrito $\vec{F}_{at}$.

As forças $\vec{P}$ e $\vec{N}$ atuam na direção vertical e se anulam pois, além de apontarem em direções opostas, não há nenhum movimento nesta direção. Portanto, a força resultante que atua no carro é apenas a força de atrito $\vec{F}_R = \vec{P} + \vec{N} + \vec{F}_{at} = \vec{F}_{at}$.

Figura 1: Diagrama do problema da distância de parada durante um freio.

O teorema trabalho e energia cinética noz diz que o trabalho da força resultante $W_R$ entre os pontos 1 e 2 é igual à variação da energia cinética entre estes pontos:

$$W_R = E_{C,2} – E_{C,1}.$$

Para simplificar a matemática, assumimos que a força de atrito é constante durante toda a distância de frenagem. Desta forma, o trabalho da força resultante $\vec{F}_R$ é calculado como

$$ W_R = \vec{F}_R \cdot \Delta \vec{x} = \vec{F}_{at} \cdot \Delta \vec{x} $$

onde $\Delta \vec{x}$ é o vetor deslocamento (e que aponta na direção do movimento). Esta equação possui uma operação vetorial chamada de produto escalar, mas não se assustem. O significado é mais simples do que parece.

O produto escalar entre dois vetores $\vec{A}$ e $\vec{B}$ é dado por $\vec{A}\cdot\vec{B} = |\vec{A}||\vec{B}|\cos \theta$, onde $|\vec{A}|$ é o módulo do vetor $\vec{A}$, e $\theta$ \e o ângulo entre $\vec{A}$ e $\vec{B}$. Como $\Delta \vec{x}$ e $\vec{F}_{at}$ apontam em direções opostas, o ângulo entre estes vetores é de $180^o$, cujo cosseno é igual a $-1$. Desta forma, o trabalho da força de atrito é negativo:

$$W_{at} = – F_{at} \Delta x$$

O sinal negativo significa que o a força de atrito atua na direção contrária ao movimento. Se esta força atuasse na mesma direção do movimento, o trabalho teria sinal positivo.

Mas no nosso problema específico, a variação de energia cinética também é negativa $E_{C,2}-E_{C,1} = 0 – m v^2/2$. Combinando-se estes dois resultados, encontramos que o módulo da força de atrito durante a frenagem é dado por:

$$F_{at} = \frac{m v^2}{2 \Delta x}.$$

Nós aprendemos na escola que $F_{at} = \mu N$, onde $\mu$ é o coeficiente de atrito. Como nosso problema ocorre inteiramente na horizontal, temos que $N=P = m g$ ($g$ é a aceleração da gravidade). Daí, temos que:

$$F_{at} = \mu m g$$.

Observando cuidadosamente as duas equações acima, é possível propor uma forma simples de provar que a força de atrito é, de fato, proporcional à força normal (ao menos no problema do movimento completamente horizontal !).

Se usarmos um carrinho que pode carregar pequenos pesos (usei o mesmo do post sobre a 2a. lei de Newton), e assim variar sua massa, podemos realizar o experimento de distância de parada para massas diferentes e plotar o gráfico $F_{at} \times m$. Devemos então obter os resultados experimentais recaindo sobre uma linha reta como mostrado na Figura 2.

Figura 2: Gráfico esperado do comportamento da força de atrito em função da massa o problema da distância de parada do movimento horizontal.

Na Figura 2, a linha tracejada representa a força peso $P$. Se os dados de de $F_{at} \times m$ recaírem sobre uma linha reta, temos que $F_{at} \propto N$ pois $P = N$ no movimento horizontal. Neste caso, o coeficiente da reta dever ser $\mu g$ pois $F_{at} = \mu m g$. Além disso, se os dados experimentais recaírem abaixo da linha da força $P$, o coeficiente de atrito do carrinho é menor que 1. Se os dados recaírem sobre uma linha acima da linha de $P$, é porque o coeficiente de atrito do carrinho é maior que 1. Chamo aqui a atenção para um fato muito importante: o coeficiente de atrito é uma grandeza adimensional !!!

O Experimento

De acordo com nosso modelo teórico descrito, precisamos lançar o carrinho com uma velocidade $v$, e medir a distância $\Delta x$ entre o ponto que a velocidade foi medida, e o ponto em que o carrinho parou. Estes dois valores são então substituídos nas equações acima para determinar a força de atrito. O setup experimental usado é mostrado na Figura 3.

Figura 3: Setup experimental.

Utilizei um único sensor de velocidade posicionado a uma pequena distância do ponto de lançamento do carrinho. Após o lançamento, a velocidade do carrinho é medida pelo sensor, e ele então percorre uma distância $\Delta x$ até parar. Utilizei o lançador e carrinho que pode levar várias moedas de 1 R$ do post anterior como forma de ter controle sobre a massa de um único carrinho, afim de evitar variações de coeficientes de atrito entre carrinhos diferentes. Este lançador possui 3 níveis de força e é capaz de aplicar forças resultantes da ordem de 0,8 mN, 1,6 mN e 2,8 mN, respectivamente. É importante lembrar que $\Delta x$ precisa ser medido entre o sensor e a traseira do carrinho.

Para minha surpresa, o carrinho com 7 moedas (cerca de 95 gramas) lançado no nível 2 de força percorre cerca 3,7 m antes parar. Isso mostra como o coeficiente de atrito dos carrinhos Hotwheels é baixo! Para o carrinho mais leve (cerca de 45 g), precisei de 11m de pista. Impressionante !!! Veja abaixo um exemplo de lançamento.

Vídeo: Lançamento do carrinho com 94g com o lançador no nível intermediário de força. A distância de parada foi de aproximadamente 3,7m. A velocidade do carrinho pelo sensor for de 1,19 m/s

Para termos ideia do coeficiente de atrito, podemos usar como exemplo os dados de lançamento do vídeo acima. O carrinho com 94g passou pelo sensor com 1,19 m/s, e percorreu 3,7 m antes de parar. Se o modelo teórico estiver correto, o coeficiente de atrito é dado por $\mu = v^2/(2 g \Delta x) \approx 0,019$. De fato, é um valor muito pequeno. Mas lembre-se que a estimativa acima ainda não prova que $F_{at} \propto N$!

Dados experimentais

A Figura 4 mostra os dados medidos de força de atrito em função da massa do carrinho medida individualmente para cada nível de força do lançador. A massa do carrinho varia entre 45 g (sem nenhuma moeda) e 94 g (levando 7 moedas), em incrementos de 7 g (equivalente ao peso de uma moeda de 1 R$). As forças de atrito variaram entre 9 mN e 20 mN, confirmando que o atrito sobre os carrinhos é muito pequeno. Um detalhe importante, dada a grande quantidade de dados, é que fiz apenas um lançamento para cada combinação de massa e nível de força para simplificar a análise.

Figura 4: Dados experimentais

As medidas mostram que $F_{at}$ cresce linearmente em relação a massa, confirmando que $F_{at} \propto N$ no movimento horizontal. Além disso, os coeficientes lineares obtidos para cada nível de força do lançador são bastante parecidos: 0.1977 (nível 1), 0,2101 (nível 2) e 0,2081 (nível 3). Lembrando-se que, de acordo com a teoria $F_{at} = \mu m g$, o coeficiente linear da reta que descreve $F_{at} \times m$ é dados por $\mu g$. Precisamos ainda dividir os coeficientes das retas por $g = 9,81 m/s^2$ para obter os valores de $mu$.

Os valores obtidos de $\mu$ são: 0,020 (nível 1), 0,021 (nivel 2) e 0,021 (nível 3). Ou seja, os coeficientes de atrito obtidos para cada nível de força são idênticos. Mas isso é natural, já que usamos o mesmo carrinho, e o atrito deve ser o mesmo, independente do nível de força do lançamento.

Há uma pequena discrepância entre os dados do lançamento do nível 1, em relação aos níveis 2 e 3, quando o carrinho está mais leve, mas esta diferença é muito pequena. Uma razão possível para esta discrepância é que o carrinho mais leve lançado nos níveis de força 2 e 3 percorre muitos metros a mais pista comparado com o carrinho mais pesado e/ou lançado no nível 1. Quanto maior a força do lançamento, maior a distância percorrida pelo carrinho, e maiores são as chances do carrinho tocar nas laterais da pista, aumentando assim o coeficiente de atrito efetivo. Um outro detalhe que certamente faz diferença é que quanto maior o $\Delta x$, maior é o número de junções de pista que o carrinho vai atravessar. E estas junções não são perfeitamente alinhadas. Isto também ajuda a desacelerar o carrinho um pouco mais rápido. Veja no vídeo 2 o carrinho sofrendo pequenas variações de trajetória ao passar pelas junções e ao bater nas laterais da pista.

Nos meus testes, percebi variações de até 50 cm na distância de frenagem para lançamentos realizados com a mesma massa no nível 3 de força. Fazer a média de vários lançamentos para cada combinação de força de lançamento e massa, deve eliminar estas discrepâncias. Fixar a pista no chão com fita adesiva também ajuda a prevenir vibrações que podem aumentar a chance contato do carro com as bordas da pista.

Vídeo 2: Pequenas variações de trajetória devido às junções e bordas laterais da pista.

Conclusões

O experimento descrito neste post nos permitiu demonstrar que $F_{at} = \mu N$ no movimento horizontal. Para isso, partimos apenas de um único principio fundamental: o teorema trabalho – energia cinética. Além disso, assumimos que a força de atrito era constante durante toda a distância de frenagem, e não levamos em conta o movimento de rotação dos pneus dos carrinhos, mas nada disso invalida qualitativa e quantitativamente os resultados obtidos aqui.

Para melhorar a precisão dos experimentos, convido os leitores a reproduzir o experimento realizando vários lançamentos para cada massa e nível de força, e construir os gráficos com os valores médios.

Um outro detalhe importante: para facilitar a coleta dos dados, usei um pequena tela OLED para projetar os valores dos tempos de passagem sem precisar monitorar as medidas pelo computador. Desta forma, o sensor de velocidade torna-se completamente independente do computador, e funciona como uma unidade portátil de realização de experimentos. Decidi não mostrar como se faz isto neste post, pois ele já está longo demais, mas prometo escrever um post sobre como fazer isso.

Finalmente, e não menos importante, o nosso experimento apenas prova que $F_{at} = \mu N$ é valida no movimento horizontal. A prova desta equação para movimento em pistas inclinadas, e portanto, em qualquer situação será assunto para o próximo experimento.

Por que um blog sobre ciência e educação?

No primeiro post, nada mais justo do que falar sobre os motivos que me levaram a criar este blog. 

A pandemia de COVID-19 parou o mundo, e o ensino migrou do presencial para o online em poucos dias. Do nada, professores precisaram aprender novas formas de lecionar, e os alunos precisaram incorporar novas formas de estudar e aprender.

Aulas remotas na pandemia

No início, o jeito simples parecia ser replicar o ensino presencial de forma online, agendar uma reunião no Zoom ou Google Meet na hora da aula presencial, compartilhar a tela do computador, e começar a aula. Daí pensei nos estudantes sentados na frente de uma tela por horas a fio. Seria cansativo e entediante, sem contar as dores nas costas.

Tenho certeza que muitos alunos fizeram isso kkkk

Achei melhor gravar as aulas teóricas para que eles pudessem assistir na hora mais conveniente. As aulas síncronas eram para tirar dúvidas, resolver exercícios, e aplicar provas. As aulas síncronas de resolução de problemas eram ótimas. Muita interação, muitas dúvidas. Era comum as aulas terminarem mais de meia após o horário e ainda haver 60% da turma presente. Esta forma mais confortável para eles, me permitia aplicar provas quinzenalmente e manter alto o engajamento da turma com a disciplina. Assim o fiz, e deu certo.

Mas rapidamente fiquei com a sensação que estava tudo meio robotizado. Faltava aquele toque sutil que só a interação pessoal em sala de aula, nos corredores, na mesa da cantina e da caminhada até o ponto do ônibus permitia. eu sentia que os alunos não estavam sendo desafiados academicamente falando.

Experimentos nas aulas remotas

No semestre seguinte, tentei incorporar alguns experimentos nas aulas online. Houve um dia específico que considero um divisor de águas. Em uma aula de mecânica dos fluidos para os calouros de engenharia, improvisei um experimento para demonstrar o efeito da pressão atmosférica baseado na altura da coluna de água usando utensílios que eu corri para buscar na cozinha. Visualmente o experimento funcionou e foi um sucesso! Mas ao calcular a pressão atmosférica, obtive um erro enorme. Fiquei um pouco encabulado, e pensei: “eu devia ter parado onde deu certo…” kkkkk

Minha vontade quando a estimativa da pressão atmosférica deu errado.

Mas foi interessante discutir as razões do erro. Era óbvio que num experimento feito às pressas seria impossível criar um vácuo quase perfeito no alto da coluna de água e assim obter uma pressão atmosférica com menos de 5% de erro nominal. Passado o susto, comentei com os estudantes como fazer o experimento em casa, o que podia dar errado, e o impacto disso no valor da pressão atmosférica. Se eles fizeram, não sei dizer. Mas fiquei satisfeito no final. Dizem que um erro ensina mais que um acerto, e isso ficou bastante claro para mim nesse dia.

Percebi ali a vantagem de estimular o estudantes a realizarem seus próprios experimentos usando os recursos que tivessem em casa ou, na pior das hipóteses, com materiais de custo acessível. Mas não bastava ser algo apenas visual, do tipo truque de mágica. Seria desejável que os experimentos conduzissem a medidas com valores razoavelmente corretos, e que a própria construção do experimento ajudasse na compreensão do assunto. 

Cultura maker em aulas de Física

Mas peraí, aulas práticas de laboratório existem para isso! É verdade, mas estas aulas também pararam, e se reduziram a assistir vídeos de demonstrações e simulações em aplicativos web. Mesmo presenciais, aulas de laboratório são roteirizadas ao extremo. Não à toa, muitos alunos acham perda de tempo fazer os relatórios das aulas práticas. 

Seria interessante incorporar aspectos da cultura maker (ou DIY – Do It Yourself) no ensino de Física. Mas não há muito material disponível em português, e que era necessário produzi-los. Como eu já sabia postar aulas no Youtube, o mais natural parecia ser produzir vídeos de experimentos e postá-los. Contudo, produzir vídeos de boa qualidade no Youtube é muito complicado. Presto aqui uma reverência aos Youtubers. Roteirizar, produzir e editar vídeos de qualidade é muito difícil. 

Assisti um monte de vídeos de experimentos, vídeos do tipo “como fazer…”, aprendi bastante sobre como as pessoas consomem conteúdo na internet, e cheguei a conclusão que eu não teria tempo nem talento suficiente para ser roteirista, produtor audiovisual, professor, pesquisador, orientador, e ainda ter vida pessoal.

Blog é flexibilidade

Escrever é algo bastante natural para mim, pois faz parte da profissão escrever relatórios e artigos científicos. Daí veio a ideia de criar um blog. 

Mas surgiu a pergunta: “Alguém lê blog? Tem muito texto, e as pessoas preferem vídeos.” 

Passei um tempo pesquisando sobre blogs, e se blogs educacionais são relevantes. Foi uma grata surpresa saber que mundo dos blogs é criativo e dinâmico, mesmo com crescimento exponencial das plataformas audiovisuais (vídeo, podcasts e redes sociais).

Blog são mais flexíveis. Eles permitem textos mais descritivos com equações, códigos-fonte em Python, textos curtos mais informais, textos no estilo tutorial, e ainda combinar tudo isso com recursos audiovisuais. Um blog oferece mais opções para integrar as ferramentas da educação convencional com a ferramentas da revolução digital que estamos vivenciando.

Os rumos da educação em um mundo conectado

A educação da forma como conhecemos vai mudar. E pandemia acelerou demais essa transição. A educação online vai ganhar cada vez mais peso, e a educação presencial será re-posicionada no médio prazo. Novas instituições surgirão, e as que não se adaptarem se tornarão obsoletas. Novas profissões vão surgir, e outras vão desaparecer. E nós, professores e alunos, precisamos nos adaptar e desenvolver uma sólida formação científica e tecnológica. Soma-se a tudo isso os problemas estruturais e desigualdades históricas em nosso país que enfrentamos diariamente.

Finalmente, decidi embarcar na ideia deste blog e usá-lo não apenas como uma ferramenta auxiliar para minhas aulas, mas principalmente para contribuir com a troca de experiências educacionais e com uma cultura mais científica em nosso país.